segunda-feira, 28 de março de 2022

poéticas arturianas


Poética 42


Era uma menina 

vestida de outubro
atravessando a rua
com um girassol no  vestido

suas mãos beijavam o vento
como fossem  beija-flor


meus olhos mergulhados
na paisagem
entre os olhos da menina
e o espelho do retrovisor

foto.grafei naquela tarde
o branco  do  vestido
e o girassol daquele dia
para me habitarem
seja lá por onde eu for

Federico Baudelaire

www.personasarturianas.blogspot.com



 dia d

,
furai
a pele das partículas dos poemas
viemos das gerações neoabstratas
assistindo a belos filmes de Godart
inertes em películas de Truffaut
bebendo apocalipses de Fellini
em tropicâncer genocidas de terror

, sangrai a tela realista dos cinemas
na pele experimental do caos urbano,
tragai
Dali pele entre/ossos
Glauber rugindo enTridentes
na língua do veneno o gozo das serpentes
nos frascos insensíveis de isopor

,
caímos no poder do vil orgânico
entramos no curral dos artefatos
na porta de entrada os artifícios
na jaula sem saída os mesmos pratos

Artur Gomes

www.fulinaimagens.blogspot.com



FILHO TEU PAI VOLTOU DA LUTA

 

Filho, eram onze da manhã

quando avistei teu pai

entrando na nossa rua.

 

As portas, as janelas, das casas, se

abriram como se por ali

um grandioso cortejo passasse.

 

Havia tanto silêncio e ecos de silêncio

entrando em outros ecos

formando outros silêncios.

E ele caminhava como se uma perna

machucada se encontrasse.

 

Na nossa porta, abraçou-me

e disse-me bom dia.

Trouxe meia dúzia de roupas sujas,

envelhecidas, e um porco.

Um filhote de porco, filho.

 

Sentou na cadeira em que agora tu estás

banhou-se, comeu,

pediu-me chá verde com hortelã

bem quente com raspas de limão

falou da violência da luta,

dos rios que atravessou,

das aves que matou

para afastar sua fome

e dormiu profundamente.

 

Tomou o café da manhã.

Ovos mexidos, pão, que eu mesma fiz,

mamão e banana.

E saiu.

 

Faz três dias, filho.

Nenhuma notícia chega.

Há no quintal, um porco,

um filhote de porco,

que mal conheço

e não sei cuidar.

Ele talvez agrida os patos e

as galinhas e receio que coma

as cenouras as folhas de alface,

os tomates, as beterrabas

que crescem na horta.

 

É preciso que tires o porco,

da nossa casa, filho.

Não gosto de porco.

Nunca gostei de porco.

A jugular, corte-lhe

se sentir necessidade.

 

Estou com muita tristeza, filho.

Muita tristeza.

O dia está quente. Não há

ventania, nem chuva.

Já não há mais luta, filho.

 

Celso de Alencar

poema para o próximo livro




                           VIVER É UM VENTO

SOPRANDO CADA VEZ

MAIS FORTE

 

Qualquer solidão é mais densa

que um amontoado de mágoas.

 

Coleção de símbolos na estante.

Volume menor, muito menor

na memória.

 

É o caminho que se desenha

sem volta. Comunhão de meias

palavras.

 

Todas cravadas no silêncio.

Respiro no hálito do caminho.

Para romper dissonâncias e

dobrados com quietudes

inquietas.

 

O prazer é o prazer. O resto

é o que nos distrai na moldura

de cada alegria.

 

Já a tristeza,

 

essa légua e pouco de gelo

e chama que derrete e apaga

com o beijo do nunca mais.

 

Essa égua insana

sempre no cio...

 

A tristeza é um desvio.

 

Não, não.

É um pavio.

 

Mas, só o amor que destrava

as represas. Inunda sem afogar.

Amar é um tipo de êxtase de

ação prolongada.

 

Mergulho no cânion dos

sentimentos extremos.

 

Por isso, não raro, pergunto

a mim mesmo em que rigidez

guardei minha ternura.

 

Ainda caminho por aí...

 

Sandálias raspando o asfalto.

Os pés metidos no mangue.

Coração no ritmo

do sangue.

 

Até que tudo estanque.

 

 Lau Siqueira



Jura Secreta 35


Aqui, 
redes em pânico pescam 
esqueletos no mar 
- esquadras - descobrimento 
espinhas de peixe convento - 
cabrálias esperas relento - 
escamas secas no prato 
e um cheiro podre no 
AR 

caranguejos explodem

mangues em pólvora 
Ovo de Colombo quebrado 
areia branca inferno livre 
Rimbaud - África virgem 
carne na cruz dos escombros 
trapos balançam varais 
telhados bóiam nas ondas 
tijolos afundando náufragos 
último suspiro da bomba 
na boca incerta da barra 
esgoto fétido do mundo 
grafando lentes na marra 
imagens daqui saqueadas 

Jerusalém pagã visitada 
- Atafona.Pontal.Grussaí - 
as crianças são testemunhas: 
Jesus Cristo não passou por aqui 

Miles Davis fisgou na agulha 

Oscar no foco de palha 
cobra de vidro sangue na fagulha 
carne de peixe maracangalha 
que mar eu bebo na telha 
que a minha língua não tralha? 

penúltima dose de pólvora 
palmeira subindo a maralha 
punhal trincheira na trilha 
cortando o pano a navalha 

- fatal daqui Pernambuco 
Atafona.Pontal. Grussaí - 
as crianças são testemunhas : 
Mallarmé passou por aqui. 

bebo teu fato em fogo 
punhal na ova do bar 
palhoças ao sol fevereiro 
aluga-se teu brejo no mar 
o preço nem Deus nem sabre 
sementes de bagre no porto 
a porca no sujo quintal 
plástico de lixo nos mangues 
que mar eu bebo afinal? 

 

Artur Gomes

do livro Juras Secretas

Editora Penalux – 2018

www.secretasjuras.blogspot.com

clic no link para ver o vídeo

Pontal Foto Grafia

https://www.youtube.com/watch?v=KHkDP2IVTAg



poema1

 

Sobre a tessitura do existir,

o que se pode dizer

de Amor?

 

Do ser capaz

de manejar o todo o dia,

(cada coisa no seu lugar),

e de se ser apenas

a própria pessoa

sem se diluir nos outros,

e, ao mesmo tempo, recebê-los

com a naturalidade da posse de um braço,

ou de seu próprio cabelo,

como poder?

 

E do arcar com a surpresa

da manhã que nasce

e que me coloca diante do fato

de estar viva

e de ser mulher?

 

E das consequências desta realidade

que eu nem pedi,

que me foi dada como um presente,

(sob o papel a caixa de surpresas),

o que se pode dizer?

 

E por que a mim coube esta

e não outra posse,

como ser árvore

rio,

flor

ou asa?

 

Perplexamente reconheço

Que mais nada me seria dado.

Nada mais saberia ser, eu,

que já nem sei nada

e tanto me custa aprender

aquilo que sou.

 

É difícil ser e há momentos

em que o definir-se,

o estar sendo aquele momento

 é como um sonho

e o estranho

é a gente se encontrar na gente mesma

limitada em corpo ancho,

entre nascimento e morte

limitada.

 

(em “Do íntimo dizer”)

 

Interpretado por Thereza Cristina Cruz, este poema foi o vencedor do FesTribuna Livre de Poesia Falada, Festival criado por Artur Gomes para o Bar Tribuna Livre em Campos dos Goytacazes – 1997 – a grande final foi realizada no Bar Boca de Luar, em Grussaí – no verão de 1998.

www.fulinaimacentrodearte.blogspot.com



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