sábado, 29 de janeiro de 2022

kabrunco tisga garrutio lamparão


todo os dias

capino a esperança

escavando outras palavras

no chão desse quintal

 

e quando escrevo com enxada

                   o poema é mais real



ô corisco joga esse urinol

no chiqueiro para os porcos

pinico  cheio dentro de casa

não há cristão que aguenta


baleba

 

dos 8 aos 12

a grande diversão na cacomanga

era jogar baleba

bola de vidro

bola de gude

na grande disputa

do bola ou  búlica

ou então futebol

com bola de meia

que nunca tinha vencedor

 

o calção sempre voltava

encharcado de poeira  

a minha mãe lavava

e depois passava com engomador 


garrutio

 

o sobrinho do meu tio

marcou o boi com ferro em brasa

por ordens de dom Diego de la Riva

e na janela da grande casa

do Mosteiro de São Bento

Azeredo Furtado  garruchava

lençóis de trigos ao vento

enquanto o boi estribuchava

com a metáfora ensanguentada

no Couro Cru & Carne Viva

do santíssimo sacramento

 

 

lamparão

 

lamparina acesa no trovão

relâmpagos atravessam corredores

lá fora chove canivetes e navalhas

quebradeira geral no umbral

das coisas incompletas

relampejam  nos currais

sacramentados nos porões da  nossa história

 

tisga

para Adriana Medeiros

 

a faca cega risca

 os olhos da kabrunca

eita tisga de menina lamparona

no circo de lona ela salta do trapézio

como se o solo fosse cama

para estripulias prediletas

e o sol em linha reta

queima as íris da retina

mas a kabrunca da menina

resplandece em arco-íris

com sua chuva de luz


tisgo

 

o tisgo do menino pocou a bexiga

com agulha que Padre Olivácio

usava para costurar a bainha da batina

 

Marina bebeu a missa inteira

cachaça que era guardada

embaixo da sacristia no ato da Santa Fé

 

e foi se santificar

 no carnaval do Boi Xupeta

na casa dos cubanos

no Farol de São Thomé

 

promessa lamparona

 

aos 7 saltei no abismo do poema

quando botei fogo no paiol de milho

quebrei o braço esquerdo

 

aos 8 quebrei a cabeça

com o paralepípedo que escorregou

da carroça cujo travessão

foi tirado por Ana minha irmã mais velha

 

nas festas de Santo Amaro

paguei promessa da mãe

braço e cabeça de cera

para não endoidecer

 

a cada arte que fazia

a mãe batia com vara de goiaba

ou mesmo com chinelo

 

o pai no universo paralelo

ao contrário: comungava profecia 

 

kabrunco

para Adriano Moura e Tonico Pereira

 

a palavra kabrunco

não existe em dicionário português

só no campistês da baixada da égua

onde compasso e régua

cheirando a sagaranagem

traçam outra estética

na arquitetura da linguagem

 

Artur Gomes

https://fulinaimicamente.blogspot.com/2022/01/kabrunco.html#more


 

 O Homem  Com A Flor Na Boca

www.arturfulinaima.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Múltiplas Poéticas

O olho azul do mistério   desço dos céus para beijar os lábios quentes da fera – desço, vejo dragões pastando na grama azul, incên...