terça-feira, 26 de março de 2024

Múltiplas Poéticas



O olho azul do mistério

 

desço dos céus para beijar

os lábios quentes da fera – desço,

vejo dragões pastando na grama

azul, incêndio nas cortinas

dos apartamentos – desço,

escuto um coro de crianças

bêbadas, vozes batendo no casco

do navio fantasma ancorado

no Caís da Última Utopia – vejo,

sinto na pele os dedos de uma androide

aflita, quase em pânico, mãos

de neblina, pálpebras que se fecham

toda vez que toco o bico dos seios – escuto,

encaro olho no olho

do Grande Gavião Terena, leopardos

lambem o leite da Via Láctea, saltam

com garras envenenadas sobre

as penugens de Vênus, penetram

o cu da lua, pregas se rompem,

espelhos se estilhaçam e rasgam a carne

dos banqueiros que sugam o vinho

da vida com canudinhos  cedidos

pelo senhor McDonald – sinto,

e por isso escrevo, e por isso deixo aqui

palavras escritas na água, na carne

 

Ademir Assunção

A Voz Do Ventríloquo

Edith - 2012


 Corpo Filosófico – Tchello d´Barros 


ostinato rigore

 

A vida inteira a procurar um pas des deux

com a palavra, em rigor alexandrino:

a folha, o palco do passé de um bailarino que, esguio, arrisca no soneto um arabesque

 

Depois vêm todos rir do meu balé parnaso:

modernos, pós-modernos, fartos de pliés

jurando que a escansão é peça de museus

e não se mede uma poética em esquadros

 

para que irrompa em cena o corpo imponderável

entregue ao fogo de um mover sem fundo

pudesse a dança ser o poema absoluto

 

e fosse o poema a dança oculta de uma fala

por baixo do silêncio, acima dos murmúrios

de um pássaro a voar além do que traduzo

 

Igor Fagundes

Pensamento Dança

Editora Penalux - 2028


O Tempo

 

Para seguir

em frente

nunca é cedo.

 

É exato o

trançado que

trocamos entre

os dedos.

 

Numa puta

vontade quase

medo.

 

Lau Siqueira  

Casa Verde - 2017


 O poeta agora está careta


Abandonou a calça jeans surrada

A sandália de couro gasta

E a camisa Levis descolada

Agora se veste de terno

Camisa social e gravata

O poeta não frequenta mais

Os botecos de copo sujo

Não bebe mais cachaça

Nem faz cu de burro

O poeta agora faz desjejum

Com mamão, aveia e chia

E arrota uma saúde quase perfeita

O poeta foi solenemente empossado

Na academia de letras

Ocupando a cadeira de um morto importante

E pouco lido

O poeta agora é um pequeno-burguês

Faz poesia em papel de seda

Encaretou de vez

Ontem mesmo foi visto

Comendo um Mac Donald’s

Na praça de alimentação

Do shopping da cidade

Antes de entrar impávido colosso

Na loja Americanas

E pedir um verso escrito

Dividido em 12 parcelas

Pago no cartão de crédito

Por aproximação…

 

-Georgino Neto-


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