O olho azul do mistério
desço dos céus para beijar
os lábios quentes da fera – desço,
vejo dragões pastando na grama
azul, incêndio nas cortinas
dos apartamentos – desço,
escuto um coro de crianças
bêbadas, vozes batendo no casco
do navio fantasma ancorado
no Caís da Última Utopia – vejo,
sinto na pele os dedos de uma androide
aflita, quase em pânico, mãos
de neblina, pálpebras que se fecham
toda vez que toco o bico dos seios – escuto,
encaro olho no olho
do Grande Gavião Terena, leopardos
lambem o leite da Via Láctea, saltam
com garras envenenadas sobre
as penugens de Vênus, penetram
o cu da lua, pregas se rompem,
espelhos se estilhaçam e rasgam a carne
dos banqueiros que sugam o vinho
da vida com canudinhos
cedidos
pelo senhor McDonald – sinto,
e por isso escrevo, e por isso deixo aqui
palavras escritas na água, na carne
Ademir
Assunção
A Voz Do Ventríloquo
Edith - 2012
ostinato
rigore
A vida inteira a procurar um pas des deux
com a palavra, em rigor alexandrino:
a folha, o palco do passé
de um bailarino que, esguio,
arrisca no soneto um arabesque
Depois vêm todos rir do meu balé parnaso:
modernos, pós-modernos, fartos de pliés
jurando que a escansão é peça de museus
e não se mede uma poética em esquadros
para que irrompa em cena o corpo imponderável
entregue ao fogo de um mover sem fundo
pudesse a dança ser o poema absoluto
e fosse o poema a dança oculta de uma fala
por baixo do silêncio, acima dos murmúrios
de um pássaro a voar além do que traduzo
Igor
Fagundes
Pensamento Dança
Editora Penalux - 2028
O Tempo
Para seguir
em frente
nunca é cedo.
É exato o
trançado que
trocamos entre
os dedos.
Numa puta
vontade quase
medo.
Lau
Siqueira
Casa Verde - 2017
O poeta agora está careta
Abandonou a calça jeans surrada
A sandália de couro gasta
E a camisa Levis descolada
Agora se veste de terno
Camisa social e gravata
O poeta não frequenta mais
Os botecos de copo sujo
Não bebe mais cachaça
Nem faz cu de burro
O poeta agora faz desjejum
Com mamão, aveia e chia
E arrota uma saúde quase perfeita
O poeta foi solenemente empossado
Na academia de letras
Ocupando a cadeira de um morto importante
E pouco lido
O poeta agora é um pequeno-burguês
Faz poesia em papel de seda
Encaretou de vez
Ontem mesmo foi visto
Comendo um Mac Donald’s
Na praça de alimentação
Do shopping da cidade
Antes de entrar impávido colosso
Na loja Americanas
E pedir um verso escrito
Dividido em 12 parcelas
Pago no cartão de crédito
Por aproximação…
-Georgino
Neto-
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