alguma poesia
não. não bastaria a poesia deste bonde
que despenca lua nos meus cílios
num trapézio de pingentes onde a lapa
carregada de pivetes nos seus arcos
ferindo a fria noite como um tapa
vai fazendo amor por entre os trilhos.
não. não bastaria a poesia cristalina
se rasgando o corpo estão muitas meninas
tentando a sorte em cada porta de metrô.
e nós poetas desvendando palavrinhas
vamos dançando uma vertigem
no tal circo voador.
não. não bastaria todo riso pelas praças
nem o amor que os pombos tecem pelos milhos
com os pardais despedaçando nas vidraças
e as mulheres cuidando dos seus filhos.
não bastaria delirar Copacabana
e esta coisa de sal que não me engana
a lua na carne navalhando um charme gay
e uma cheiro de fêmea no ar devorador
aparentando realismo hiper moderno,
num corpo de anjo que não foi meu deus quem fez
esse gosto de coisa do inferno
como provar do amor no posto seis
numa cósmica e profana poesia
entre as pedras e o mar do Arpoador
uma mistura de feitiço e fantasia
em altas ondas de mistérios que são vossos
não. não bastaria toda poesia
que eu trago em minha alma um tanto porca,
este postal com uma imagem meio Lorca:
um bondinho aterrizando lá na Urca
e esta cidade deitando água
em meus destroços
pois se o cristo redentor deixasse a pedra
na certa nunca mais rezaria padre-nossos
e na certa só faria poesia com os meus ossos.
Artur Gomes
In Couro Cru & Carne Viva
Prêmio Internacional de Poesia - Quebec - Canadá
1987
poétika
nem santa
nem puta
apenas filha
dessa ilha
seja do que for
Federika Lispector
naquela noite
de chuva
as cores no vestido de Yansã passaram
despercebidas por aqui o sangue encarnado nas matas de Oxossi e o olho do
Dragão na ponta da espada de Ogum ainda que aline na porta da casa velha
tivesse sobre a pele meus olhos presos nas palavras escritas na parede as
sagradas escrituras não dissessem o quanto ali brotavam flores naquela noite de
chuva num coração estraçalhado
Artur Gomes
www.fulinaimagens.blogspot.com
revirei sacramento pelo avesso do avesso aline me
acompanhou passo a passo pela ladeira até a casa dos fundos canários no quintal
catavam o que comer fotografamos e filmamos o que pairou no ar e não perdoa o
éter dentro o cafezal nos convidava ao êxtase aline olhou pelo espelho da
janela que dava para o outro lado da alma e levitou entre as trilhas dos canteiros
ouvindo o som que nos unia
Artur Gomes
www.fulinaimicas3.blogspot.com
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