sábado, 11 de março de 2023

Livia Prado

 
Cinza

Eu sei o que é morrer.
Matei-me muitas vezes,
em lascas fétidas
cerrei ossos inteiriços
de minha pele esgarçada
por demandas externas.
Triturei minha pele e colei sobre
o vento o pó que fiz de mim.
Arranhei as costas do nada
e fiz cócegas na barriga do mundo
até ele explodir em água.
sursursursursur
SUGUEI o sangue da terra
como se eu mesma fosse o chão
que pudesse se deitar uma cobra.
Segui o rastro do lagarto que renasci em mim
e abandonava o rabo, o cabo e o fim.
Essa história de morrer
é rio que escorre pelo canal central
o uterino, o feminino
o hino de ser mulher que esqueleta
esquenta, ereta
e reta voa pelas linhas de si.
Mas que mulher aberta!
Aberta!
Entre uvas e vulvas
se pompa
se goma
e goza
o deleite de SER
em SI
Nu
e rOSA.
Arranhada pelos cabelos
recentemente cortados
risca sobre a pele os adinkras
e pinta sobre a boca
a cor da noite.
Envenena-se com a própria
saliva que deveria cuspir
e
e
e
cai no ai
e
e
e
chora mais,
mais do que o necessário
pois o adversário
mora dentro
e ri de quem deságua
mas a lágrima é pesada
e
e
e
cai na cabeça do riso
e
e
e
ele morre.
Matei meu próprio riso
com a lágrima que plantei
Quem planta água dentro do peito
sempre tem um rio pra se afogar
quem seca o tempo dentro
sempre racha o bico do peito
que iria amamentar.
Eu sou cura
a nervura
a fervura
a ervura
a sutura
a criatura
a atadura
a molécula
que muda
transfigura
Eu sou a morte
que atravessa
o âmago da vida
que mergulha
no sangue
que revés.
Eu sou o processo
que encharca de si
que morre
morre profundamente
nos braços do fim.

Lívia Prado
Terceiro Lugar no XXI FestCampos de Poesia Falada - 2019
categoria Poesia - Primeiro Lugar - categoria Intérprete 

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