segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

múltiplas poéticas


sina

de metades
coladas
outras soltas
sou inteira
sem acomodar

no peito
o amor
e o cansaço
no rosto
o riso
e o desamparo
nos braços
o abraço
e o frio
nos pés
o caminho
e o descompasso
na alma
o infantil
e o devasso

sou casa de tábuas velhas
que range
dentes à noite
em bruxismo
procurando encostar
a vassoura
que não limpa faz tempo
o terreno das indecisões

sou decididamente
incompletude
dissecação de experimentos
laboratório de loucura
em análise
medicação em doses
de sentimentos

sou o ressentimento
do não feito
exigindo o perfeito
predicado
abdicado
resignado
“estala coração de vidro pintado”
quando caco

metades
coladas
outras soltas
sou inteira
sem acomodar.

Flávia Gomes

“estala coração de vidro pintado” (menção ao poema de Álvaro de Campos, “Esta velha angústia”.)

Em, Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). - 54



Mútiplas Poéticas

 Irina agora também é modelo dessas  pinturas clássicas que a gente não sabe qual foi o pincel usado pelo pintor

 

Leia mais aqui

https://fulinaimagens.blogspot.com/


Jura Secreta 35 pontal.foto.grafia 


Aqui, 
redes em pânico pescam 
esqueletos no mar 
- esquadras - descobrimento 
espinhas de peixe convento - 
cabrálias esperas relento - 
escamas secas no prato 
e um cheiro podre no 
AR 

caranguejos explodem

mangues em pólvora 
Ovo de Colombo quebrado 
areia branca inferno livre 
Rimbaud - África virgem 
carne na cruz dos escombros 
trapos balançam varais 
telhados bóiam nas ondas 
tijolos afundando náufragos 
último suspiro da bomba 
na boca incerta da barra 
esgoto fétido do mundo 
grafando lentes na marra 
imagens daqui saqueadas 

Jerusalém pagã visitada 
- Atafona.Pontal.Grussaí - 
as crianças são testemunhas: 
Jesus Cristo não passou por aqui 

Miles Davis fisgou na agulha 
Oscar no foco de palha 
cobra de vidro sangue na fagulha 
carne de peixe maracangalha 
que mar eu bebo na telha 
que a minha língua não tralha? 

penúltima dose de pólvora 
palmeira subindo a maralha 
punhal trincheira na trilha 
cortando o pano a navalha 

- fatal daqui Pernambuco 
Atafona.Pontal. Grussaí - 
as crianças são testemunhas : 
Mallarmé passou por aqui. 

bebo teu fato em fogo 
punhal na ova do bar 
palhoças ao sol fevereiro 
aluga-se teu brejo no mar 
o preço nem Deus nem sabre 
sementes de bagre no porto 
a porca no sujo quintal 
plástico de lixo nos mangues 
que mar eu bebo afinal? 


Jura secreta 90

 

do portal desta estação

ouço a voz do teu silêncio

o amor com seus olhos castanhos

passou no trem pra Leningrado

e o nosso encontro marcado

ficou para depois da estação Porto Viejo

onde a droga do desejo

é um veneno pra nós dois.

 

Jura secreta 91

 

cara velas ao vento

toda barra em movimento

e o morro do juramento

corre em busca da farinha

que Cabral já descobriu

 

e um Rio violento

na pedra do Redentor

chora a morte da vizinha

chora a barbárie e o terror

 

e o marco do monumento

metralhadora e fuzil

pra garantir o movimento

só o prefeito é quem não viu

que esta cidade para olímpica

é uma ponte que caiu

 

 

Jura secreta 92

 

 

me encanta mais teus olhos

que o plano piloto de Brasilha
o palácio do planalto o alvorada
me encanta mais as mãos da namorada
que a bandeira do Brazil
o céu de anil a Tropicalha

quero muito mais a CarNAvalha
do que a palavra açucarada
quero a palavra sal do suor da carne bruta
Flor de Lótus  Cio da Fruta
mesmo quando for somente espinhos
me encanta os pés que a lata chuta
por entender que a vida é luta
para abrir novos caminhos

me encanta mais na lama o lírio
a flor do Lascio
os olhos da minha filha
que o ouro dessas quadrilhas
que habitam esses Palácios

 

Jura secreta 93

 

beber da  tua língua

líquido na maresia

suor no mar dessa  linguagem

e tudo mais beberia

no teu corpo em desalinho

em luas  de tempestades

em lençóis de calmaria

palavras em tua boca

levaram-me ao descaminho

amarraste-me em tua cama

 com  tuas garras de linho

depois que me embriagaste

com tuas garras de vinho

 

Jura secreta 94

 

nem  todo poema curto

nem todo endereço acerto

a meta do poeta é o alvo

o alvo do poeta é a meta

a flecha estendida no arco

o arco estendido na seta

eu quero teus olhos de vidro

não poema em linha reta

 

nem toda cidade prova

nem todo poema povo

a clara da gema nova

pode estar  dentro do ovo

o biscoito fino pra massa

o Dia D sem trapaça

acende a fornalha  na praça

a massa do biscoito fino

Jura secreta 95

 

como se fosse infinita estrada

provocando descaminhos

desafiando caminhadas

 

Clarice diante do espelho

no mar do precipício

transparece o corpo em algazarra

 

a farra do vestido ao vento

mastigando meus instintos

na carne da noite a dentro

 

Jura Secreta 96

 

só me queira assim caçado

mestiço vadio latino

leão feroz cão danado

perturbando o teu destino

 

só me queira enfeitiçado

veloz macio felino

em pelo nu depravado

em tua cama sol à pino

 

só me queira encapetado

profanando aqueles hinos

malandro moleque safado

depravando os teus meninos

 

só me queria desalmado

cão algoz e assassino

duplamente descarado

quando escrevo e não assino

 

Jura secreta 97

 

mesmo se fosses

andorinha gavião ou  colibri

beija-flor singrando os ares

meu amor meu bem-te-vi

 

Jura Secreta 98

 

Dandara tão clara

quanto rara

jura secreta

que desabrocha

em flor de lótus

 flor de lascio

 flor de lírios

 flor de cactos

 flor/espinho

 depois do amor

pedra trans/tornada

flor no meio do caminho

 

Jura Secreta 99

 

dentro do quarto

o poema tenso

não entra nem sai

o estômago ronca

as tripas gritam de fome

e o poema preso

tenta dar um salto

pular pelas janelas

o impulso é fraco

o país é pobre

enquanto o povo dorme

a rosa se esfacela

e os restos de bandeja

são vendidos por migalhas

 

Jura secreta 100 memorial dos ossos

 

espora essa palavra amolada

dessas que cortam a carne

no primeiro toque

espora em meu sentido rock

não um mero truque

no pulsar da língua

que a tua pele lambe

quando saliva aflora

espora em meu cavalo branco

o simbolismo aceso

todo dia é dia de São Jorge

Jorge Luis Borges

num plural latino

escavar a terra em busca da palavra

quando nervo implora

espora temporal dos músculos

memorial dos ossos nesse tempo bruto

tudo quanto posso

 

Artur Gomes

do livro Juras Secretas

Editora Penalux – 2018

www.secretasjuras.blogspot.com

 



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