O Boi-Pintadinho
E
lá vai o boi
com teus olhos tristes
feito mãe cansada
das estradas da vida,
vai carregando dor nos olhos,
cabisbaixo,
com medo de levantá-los
e ser o primeiro
a enfrentar a faca
ou quem sabe a forca.
Lá vai o boi de arado
boi de carro
boi de carga
boi de carca
boi de canga
boi de corda
boi de prado.
Boi preto
boi branco
lá v ai o boi-pintadinho
levanta meu boi levanta
que é hora de viajar,
se o povo não te cantou
é porque não sabe cantar!
Lá vai o boi
na tua consciência
triste e solitária
olhando os que passam
com medo de levantar a voz
e colocar o teu mugido
na consciência dos outros
Lá vai o boi
no teu passo manso,
dança na contra-dança
com certeza que esperança
é muito mais aquilo
que já te foi predestinado
lá vai o boi-pintadinho...
levanta meu boi levanta
que é hora de viajar
se o povo não te cantou
é porque não sabe cantar!
Lá vai o boi
boi Antônio
boi Joana
boi Maria
boi João
boi Thiago
boi Ferreira
boi Drummond
e boi Bandeira
e tantos outros bois
que conheci
por este país afora...
que sabendo ou não sabendo
cada boi tem sua hora
lá vai o boi
tranquilamente manso
no teu equilíbrio manco
que me inspira e desespera
vai para o cofre
ele sabe disso
vai para o açougue
ele sabe disso
vai pra balança
e nem parece equilibrista
mas já conhece o seu destino
lá vai o boi-pintadinho...
levanta meu boi levanta
que é hora de viajar
se o povo não te cantou
a minha história vai contar!
E lá vai o boi
atravessando ferrovias
nos vagões a ferro
vai carregado
de marcas pelo corpo
e agonia pela alma
lá vai o boi pintadinho
levanta, meu boi levanta
tenha mais fé e menos calma
levanta meu boi de carga
boi de canga boi de corte
boi que nasce pra vida
e a gente engorda pra morte
Artur Gomes
O Boi-Pintadinho – 1981
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27 de agosto
com muito gosto
fazer setenta e sete
outra coisa me disse
fulinaíma
pra definir o que faço
o traço a cada compasso
pensado sentido vivido
estando inteiro
não par/ti/do
a língua ainda
entre/dentes
a faca
ainda mais afiada
a carNAvalha in/decente
escre/v(l)er
é tudo o que posso
pra desafinar os contentes
desempatar de/repente
o jogo dos reles bandidos
é tudo o que tenho feito
por mais que tenha sofrido
nas unhas dos dedos
nos nervos
na carnadura dos ossos
Artur Gomes
Hoje Balbúrdia PoÉtica especial
no Carioca Bar - Rua Francisca Carvalho de Azevedo, 17
Parque São Caetano - Campos dos Goytacazes-RJ
Espero vocês lá, a partir das 18h
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Artur Fulinaimagens
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poema atávico
e se a gente se amasse uma vez só
a tarde ainda arde primavera tanta
nesse outubro quanto
de manhãs tão cinzas
nesse momento em Bento Gonçalves
Mauri Menegotto termina
de lapidar mais uma pedra
tem seus olhos no brilho da escultura
confesso tenho andado meio triste
na geografia da distância
esse poema atávico tem
a cor da tua pele
a carne sob os lençóis
onde meus dedos
ainda não nasceram
algum deus
anda me pregando peças
num lance de dados mallarmaicos
comovido
ainda te procuro em palavras aramaicas
e a pele dos meus olhos anda perdida
em teu vestido
Artur Gomes
Do livro O Poeta Enquanto Coisa
Editora Penalux – 2020
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