todo os dias
capino a esperança
escavando outras palavras
no chão desse quintal
e quando escrevo com enxada
o poema é mais real
no chiqueiro para os porcos
pinico cheio dentro de
casa
não há cristão que aguenta
baleba
dos 8 aos 12
a grande diversão na cacomanga
era jogar baleba
bola de vidro
bola de gude
na grande disputa
do bola ou búlica
ou então futebol
com bola de meia
que nunca tinha vencedor
o calção sempre voltava
encharcado de poeira
a minha mãe lavava
e depois passava com engomador
o sobrinho do meu tio
marcou o boi com ferro em brasa
por ordens de dom Diego de la Riva
e na janela da grande casa
do Mosteiro de São Bento
Azeredo Furtado
garruchava
lençóis de trigos ao vento
enquanto o boi estribuchava
com a metáfora ensanguentada
no Couro Cru & Carne Viva
do santíssimo sacramento
lamparão
lamparina acesa no trovão
relâmpagos atravessam corredores
lá fora chove canivetes e navalhas
quebradeira geral no umbral
das coisas incompletas
relampejam nos currais
sacramentados nos porões da nossa história
tisga
para Adriana Medeiros
a faca cega risca
os olhos da kabrunca
eita tisga de menina lamparona
no circo de lona ela salta do trapézio
como se o solo fosse cama
para estripulias prediletas
e o sol em linha reta
queima as íris da retina
mas a kabrunca da menina
resplandece em arco-íris
com sua chuva de luz
tisgo
o tisgo do menino pocou a bexiga
com agulha que Padre Olivácio
usava para costurar a bainha da batina
Marina bebeu a missa inteira
cachaça que era guardada
embaixo da sacristia no ato da Santa Fé
e foi se santificar
no carnaval do Boi
Xupeta
na casa dos cubanos
no Farol de São Thomé
promessa
lamparona
aos 7 saltei no abismo do poema
quando botei fogo no paiol de milho
quebrei o braço esquerdo
aos 8 quebrei a cabeça
com o paralepípedo que escorregou
da carroça cujo travessão
foi tirado por Ana minha irmã mais velha
nas festas de Santo Amaro
paguei promessa da mãe
braço e cabeça de cera
para não endoidecer
a cada arte que fazia
a mãe batia com vara de goiaba
ou mesmo com chinelo
o pai no universo paralelo
ao contrário: comungava profecia
kabrunco
para Adriano
Moura e Tonico Pereira
a palavra kabrunco
não existe em dicionário português
só no campistês da baixada da égua
onde compasso e régua
cheirando a sagaranagem
traçam outra estética
na arquitetura da linguagem
Artur
Gomes
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